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Uma breve introdução às licitações: principais conceitos constitucionais aplicáveis aos procedimentos administrativos para a contratação com a administração pública

Parafraseando o Capitão Nascimento (aquele mesmo do filme Tropa de Elite): Licitação, do latim Licitatione que significa Oferta!

Brincadeiras à parte, mas o conteúdo é esse mesmo! A origem da palavra licitação do latim significa Oferta, daí veio a ideia do Legislador em denominar licitação como o conjunto de atos administrativos necessários para a contratação de obras, aquisição de Bens e serviços, a alienação ou atribuir serviços públicos ao particular, quando feitos pela Administração Pública, portanto, decidiram denominar de licitação o procedimento administrativo que envolver a necessidade de Oferta de bens e serviços para a Administração Pública.

O conceito de Paulo Afonso Brum Vazii, embora antigo (1999) nos parece ser um dos conceitos mais completos, senão vejamos:

Sem compromisso com originalidade, nem perfeição, permito-me sugerir o seguinte conceito: Licitação é o procedimento administrativo por meio do qual a Administração Pública, necessitando contratar obras ou serviços, efetuar compras, promover alienações, ou atribuir (conceder ou permitir) serviços públicos a particulares, mediante as condições que unilateralmente estabelece e buscando o negócio mais vantajoso, possibilita a todos os interessados a apresentação de propostas, escolhendo aquela que, segundo os critérios prefixados, demonstre, com eficiência e economicidade, satisfazer o interesse público.

Superado o conceito de licitação, vamos entender um pouquinho de seus objetivos, afinal de contas, por que licitar?

O objetivo da licitação nada mais é senão garantir transparência ao procedimento de contratação com o melhor resultado possível ao Órgão Licitanteii.

Quando falamos em transparência, significa que o procedimento de contratação deve seguir regras que garantam igualdade de condições entre os participantes, julgamento justo, evitando-se ou minimizando-se a possibilidade de corrupção (ativa ou passiva)iii, ou seja, garantia de observação das regras e julgamento em igualdade das propostas apresentadas por todos os participantes.

Essa necessidade de transparência se deve ao volume de gastos da Administração Pública com a contratação de Obras e serviços, aquisição e alienação de bens, concessão ou permissão de serviços públicos para os particulares e por aí vai.

Apenas para elucidar a questão, de acordo com o Portal da Transparência da Uniãoiv, temos que em 2021 o Governo Federal possuía um orçamento atualizado de R$4.334.235.538.956,56, portanto, mais de 4 trilhões de reais.

Dos quais, em plena pandemia o Governo Federal (sem contar os Estados, Distrito Federal e Municípios) pagou R$3.738.168.438.128,22!

Essa informação pode ser conferida clicando-se nesse link aqui: https://www.portaltransparencia.gov.br/orgaos/?ano=2021

Já imaginou gastar esse dinheiro todo sem ter regras próprias que garantam a necessidade desse gasto, ou então sem garantir que não houve privilégios na escolha dos fornecedores?

Aí está a resposta do porquê licitar!

Mas então como é que se definem os procedimentos que devem ser observados pelos órgãos Licitantes?

Os procedimentos administrativos para a execução do processo licitatório devem nortear-se pelos princípios constitucionaisv que são aplicáveis para toda a Administração Pública.

Esses princípios estão previstos na Constituição Federalvi, principalmente em seus artigos 5º e 37, sendo que trataremos dos principais princípios aplicáveis ao procedimento licitatório, que para nós são:

PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Esse princípio possui uma interpretação dupla, a primeira sob o nosso enfoque enquanto particulares (pessoas e empresas) e a segunda sob o enfoque da Administração Pública propriamente dita, em razão disso ele é subdivido em princípio da legalidade ampla e estrita.

O princípio da legalidade ampla, diz respeito a nós (particulares: cidadãos e empresas) e significa que nós podemos fazer tudo o que não seja proibido por lei, portanto, se não é proibido é permitido!

Já o princípio da legalidade estrita, aplica-se à Administração Pública como um todo, inclusive a seus agentes, e significa que se estes só podem executar o que a Lei os permitir, portanto, se não é permitido é proibido!

Em resumo, a Administração e seus agentes devem respeitar exatamente os termos da Lei, podendo agir somente nos moldes em que a Lei os permitir.

Sua aplicabilidade na licitação se mostra importante pois, uma vez que a Administração só deve agir de acordo com a lei, como ela poderia contratar ou adquirir bens e serviços, por exemplo, sem uma Lei que a permitisse, daí a necessidade de uma norma que regulamente essas contratações e aquisições.

Esse é um dos princípios mais importantes para a Administração pública pois se um ato for praticado sem sua observação, ele não poderá ser convalidado. Além disso, dele decorem outros inúmeros princípios que também são extremamente importantes para a presente temática.

PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO DO EDITAL

Derivado diretamente do princípio da legalidade, é outro princípio de extrema importância e aplicação quando o assunto é licitação.

Diz-se derivado diretamente do princípio da legalidade pois se trata de previsão legal expressa em diversos artigos da Lei nº 8.666/93 e da Lei nº 14.133/2021, que regulamentam as modalidades de licitação.

Por conta desse princípio a Administração Pública deve se vincular ao teor do instrumento convocatório, não podendo admitir a prática de atos, por quem quer que seja, em desacordo com as previsões editalícias.

Esse princípio de vinculação às normas e condições do edital representa medida de garantia e de segurança jurídica a todos os envolvidos no processo licitatório, resguardando, além disto, a impessoalidade que se trata de outro princípio imprescindível à regularidade do procedimento licitatório, impedindo-se o tratamento desigual entre os licitantes, não favorecendo qualquer deles em detrimento dos demais.

Equivale dizer que “(…) o edital que deve definir tudo que é importante para o certame, não podendo o Administrador exigir nem mais nem menos do que está previsto nele. Por essa razão, é que a doutrina diz que o edital é lei interna da licitação, ficando a ele estritamente vinculada, conforme previsto no art. 41 da leivii”.

Para concluir sobre o assunto, segue preciosa lição José dos Santos Carvalho Filhoviii, para quem:

A vinculação ao instrumento convocatório é garantia do administrador e dos administrados. Significa que as regras traçadas para o procedimento devem ser fielmente observadas por todos. Se a regra fixada não é respeitada, o procedimento se torna inválido e suscetível de correção na via administrativa ou judicial. O princípio da vinculação tem extrema importância. Por ele, evita-se a alteração de critérios de julgamento, além de dar a certeza aos interessados do que pretende a Administração. E se evita, finalmente, qualquer brecha que provoque violação à moralidade administrativa, à impessoalidade e à probidade administrativa.

PRINCÍPIO DO JULGAMENTO OBJETIVO

Relacionado intimamente aos princípios da vinculação edital e da legalidade, ele assegura a todos os participantes da licitação, que o julgamento de suas propostas será realizado dentro dos parâmetros previstos no Edital e legislação aplicável, trazendo a segurança necessária para que se tenha uma isonomia entre eles.

Equivale dizer que o julgamento das propostas deve ser feito com objetividade, lastreado nas regras previamente delimitadas no instrumento convocatório e na legislação aplicável, garantindo a impessoalidade, moralidade, probidade, legalidade e assertividade do julgamento, evitando que o julgamento se de com base em regras desconhecidas pelos licitantes, ao bel prazer da Autoridade Administrativa responsável por ele.

PRINCÍPIO DA ISONOMIA OU IGUALDADE

Significa que a Administração Pública deve dar tratamento igual a todos, sem privilegiar ou prejudicar ninguém.

Esse princípio comporta uma exceção contida na máxima de que “o tratamento deve ser igual aos iguais e desigual aos desiguais na exata medida da desigualdade de cada um”, permitindo tratamento diferenciado para as pessoas (físicas ou jurídicas) que sejam diferentes entre si.

Porém, esse tratamento diferenciado deve observar o princípio da legalidade, ou seja, só poderá haver tratamento diferenciado nos casos em que a Lei assim permitir!

Parece complexo mais é muito simples esse raciocínio, aplicando-o ao nosso objetivo que é Licitação, o melhor exemplo disso se dá nos casos em que o procedimento comporte a participação de Micro e Pequenas Empresas – ME e Empresas de Pequeno Porte – EPP que possuem tratamento diferenciado.

E esse tratamento diferenciado decorre de previsão legal, originariamente prevista nos artigos 170, IX e 179 da Constituição Federal, senão vejamos:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(…)
IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-laspela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.

Além disso, a Lei Complementar 123/06 regulamentando os artigos da Constituição acima transcritos prevê vários benefícios, por exemplo, em artigo 42 somente será exigida para efeitos de assinatura do contrato nas licitações públicas.

Perceba-se, que mesmo se essas empresas possuírem restrição em algum documento de comprovação de regularidade fiscal e trabalhista, isso não será óbice para a sua participação no certame, contudo, para assinar o contrato – caso ela seja vencedora – a empresa precisará regularizar o apontamento.

Além das normas acima mencionadas, há também o Decreto nº 8.538/2015ix que “Regulamenta o tratamento favorecido, diferenciado e simplificado para microempresas, empresas de pequeno porte, agricultores familiares, produtores rurais pessoa física, microempreendedores individuais e sociedades cooperativas nas contratações públicas de bens, serviços e obras no âmbito da administração pública federal.”

Importante frisar que aqui nós tivemos um exemplo clássico da necessidade de observação dos vários princípios constitucionais simultaneamente, aonde vimos que a Administração Pública não pode dispensar um tratamento desigual sem que haja uma determinação legal prévia que a autorize o fazer, regra que vale para todos os princípios
aplicáveis para a Administração pública.

PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE

Derivado do princípio da igualdade, basicamente significa que a Administração Pública não pode favorecer nem prejudicar ninguém, ou seja, tem que atuar de forma semelhante com todos os participantes de um procedimento licitatório.

A diferença básica dele para o princípio da Igualdade é a de que, em regra, esse princípio obsta que a Administração Pública atue com base em simpatia, antipatia, vingança, represália, nepotismox, favorecimentos diversos e afins, ou seja, tem que tratar todos com igualdade, sem qualquer distinção.

PRINCÍPIO DA MORALIDADE

Além de obedecer os ditames da lei, nos moldes do princípio da legalidade, acima explanado, os atos da Administração Pública devem ser moralmente aceitáveis, ou seja, ela deve adotar condutas honestas, agindo com Probidade, boa-fé e lealdade, entre outros atributos, enfim, o ato praticado pela Administração Pública não pode ser moralmente reprovável.

Como visto, outro princípio derivado do princípio da legalidade, ele relacionasse diretamente com o princípio ético da conduta administrativa.

PRINCÍPIO DA PROBIDADE ADMINISTRATIVA

O modo como os agentes públicos atuam traz consequências para todos nós, em razão disso, é esperado que suas ações sejam probas, corretas sob o enfoque legal.

Esse princípio tem relação íntima com o princípio da moralidade, enquanto aquele se refere ao caráter interno da conduta, sua moralidade propriamente dita, esse princípio se relaciona mais com o caráter externo da conduta, ou seja, sua aparência de legalidade, na retidão da conduta, honestidade, integridade, enfim, que o ato praticado obedeça a todos os princípios que lhe sejam aplicáveis, pois somente assim será tido como um ato probo, portanto, íntegro.

PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE

Esses dois princípios precisam ser estudados em conjunto pois “andam de mãos dadas”, afinal, é impossível ser razoável e desproporcional ou vice e versa.

Vale dizer que os atos administrativos devem ser razoáveis e proporcionais ao caso em que se lhe aplicam, são princípios extremamente importantes pois garantem uma reação proporcional ao evento que a gerou, por exemplo, uma empresa licitante que foi inabilitada por deixar de juntar uma certidão exigida no edital não pode ser apenada com proibição de contratação com a Administração Pública por até 2 anos, essa penalidade é desproporcional e desarrazoada, afinal, ela já foi punida com sua inabilitação.

PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE

Equivale dizer que todos os atos da Administração devem ser públicos.

Esse princípio para viabilizar o controle dos atos da Administração Pública e de seus agentes pelos interessados, ou seja, se trata de uma ferramenta para garantir que nós tenhamos acesso ao teor dos atos administrativos para que possamos analisar se foram praticados de acordo com os demais princípios aplicáveis.

Esses são, ao nosso ver, os principais princípios aplicáveis aos procedimentos administrativos licitatórios.

CONCLUSÃO

Desse modo, lastreado nesses princípios e outros eventualmente existentes e aplicáveis a cada caso, a Administração lançará um instrumento convocatório, normalmente um edital, prevendo as regras aplicáveis ao procedimento, especificando as condições de habilitação, o seu objeto, como deverão ser efetuadas as propostas e todas as demais regras que possam ser aplicadas ao caso em concreto.

Outro ponto importante do procedimento licitatório é o de proporcionar a contratação pela Administração da forma mais vantajosa o possível.

Essa vantajosidade se refere não apenas ao menor preço, mas principalmente às melhores condições (melhor qualidade, maior efetividade, menor onerosidade).

Por isso que participam diversos Licitantes e suas propostas são analisadas de acordo com as regras previstas no edital (melhor técnica, menor preço ou técnica e preço, por exemplo) para que a melhor proposta, leia-se: a proposta mais vantajosa, seja a vencedora.

Uma observação importante é a de que o preço dos serviços ou bens devem ser compatíveis com os valores de mercado, senão estes seriam inexequíveis e, portanto, imoral para a Administração Pública os aceitar.

Assim, concluímos que os processos administrativos ou procedimentos licitatórios servem para garantir a melhor destinação do dinheiro público, observados os preceitos constitucionais e sempre com o objetivo de viabilizar o melhor negócio em favor da Administração Pública, mas que também não prejudique o particular que contrate com ela.


i. VAZ, Paulo Afonso Brum. LICITAÇÃO. LINHAS GERAIS E ASPECTOS DESTACADOS. Revista de Direito Constitucional e Internacional | vol. 29/1999 | p. 72 – 95 | Out – Dez / 1999 e Doutrinas Essenciais de Direito Administrativo | vol. 4 | p. 155 – 188 | Nov / 2012 | DTR\1999\472.

ii. Órgão Licitante: é o Órgão da Administração Pública (Federal, Estadual, Distrital e/ou Municipal) que pretende adquirir bens, contratar serviços, ceder ou permitir serviços públicos aos particulares, é o Órgão responsável pelo procedimento administrativo e que se beneficiará diretamente com o seu resultado.

iii. O crime de corrupção passiva é um ilícito penal que só pode ser praticado por funcionário público, portanto quem exerce cargo, emprego ou função pública, mesmo que temporariamente ou sem remuneração. A conduta proibida é o ato de usar o cargo publico para solicitar ou receber vantagem indevida. Não é necessário que o particular aceite a proposta, basta a solicitação para que o crime se configure. O servidor ainda pode ser punido em caso de ceder, a pedido ou influência de terceiro, mesmo não recebendo vantagem. Já o crime de corrupção ativa é praticado por um particular, que oferece ou promete vantagem indevida (propina) a um funcionário publico, em troca do uso do cargo para beneficiá-lo de alguma forma, o simples ato de oferecer a vantagem indevida, ou seja, para caracterizar o crime não é necessário que a propina seja aceita, basta a oferta ou promessa. Extraído de “Corrupção Passiva e Corrupção ativa”, disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/corrupcaopassiva-e-corrupcao-ativa

iv. O Portal da Transparência do Governo Federal é um site que tem por finalidade veicular dados e informações detalhados sobre a execução orçamentária e financeira da União. As informações existentes no Portal referem-se ao
Poder Executivo e à esfera federal. Fonte: Wikipédia, disponível em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Portal_da_Transparência

v. Para Luís Roberto Barroso: os princípios constitucionais “são o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de forma sumária, os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui.” (BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. São Paulo, Saraiva, 1999, pág. 147).

vi. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm

vii. MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. Salvador: Juspodivm, 2006, p. 264.

viii. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 26ª ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 246

ix. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/decreto/d8538.htm.

x. O Nepotismo ocorre quando um agente público usa de sua posição de poder para nomear, contratar ou favorecer um ou mais parentes. Para fins de nepotismo, considera-se como familiar o cônjuge, companheiro ou parente em linha reta ou colateral, por consanguinidade ou afinidade, até o terceiro grau. In: https://www.gov.br/economia/ptbr/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/integra/governanca/comites-tematicos-de-apoio-agovernanca/arquivos/documentos-crtci/arquivos-de-reuniao/19a-reuniao-nepotismo-dgp.pdf

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